sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Cinco respostas de Foucault sobre a Arqueologia do Saber

Maria do Rosário Valencise Gregolin

a) Por que chama seu método de “arqueologia”?
Por duas razões:
- de maneira um pouco cega, usei “arqueologia” para designar uma forma de análise que não seria efetivamente uma história, nem uma epistemologia;
- mais racionalmente, com “arqueologia” quis dizer: descrição do arquivo. Por arquivo entendo o conjunto de discursos efetivamente pronunciados (um conjunto de acontecimentos que aconteceram um dia mas que continuam a funcionar, a se transformar através da história, possibilitando o surgimento de outros discursos)


b) Em “arqueologia” há a idéia de escavação, de procura do passado? 
 
Sem dúvida. Esse termo tem dois sentidos que me embaraçam, que não são os que desejo em meu método.: 
- o tema da origem (arké, em grego): são sempre começos relativos que procuro; são, antes, instauradações ou transformações do que fundamentos, fundações;
- a idéia de escavações: não procuro relações escondidas, secretas; pelo contrário, busco definir relações que estão na própria superfície dos discursos; tento tornar visível o que só é invisível por estar muito na superfície das coisas.
Isto é, não procuro o que está embaixo dos discursos (sua origem ou seus túneis). Tento tomar o discurso em sua existência manifesta, como uma prática que obedece a regras (de formação, de existência, de coexistência, etc.). É essa prática, em sua consistência e quase em sua materialidade, que descrevo.

c) O que pretendeu com a maquinaria teórica da Arqueologia?   
Por que construí toda essa maquinaria teórica da Arqueologia do Saber, um livro que me parece de leitura muito difícil? A arqueologia é uma espécie de teoria para uma história do saber empírico. Porque sempre me incomodou o fato de que as “ciências empíricas” não gozarem – entre os epistemólogos – do mesmo estatuto que as ciências teóricas; porque as empíricas têm grande alcance na sociedade, na vida histórica real dos homens (a medicina, por exemplo). Interessaram- me as articulações entre essas ciências com as práticas sociais e procurei descrever um método para estudá-las. Interessaram-me as transformações, mostradas a partir de que sistema regular elas se tornaram possível (por ex. : o que, na prática discursiva da história natural, tornou possível a idéia da evolução desde o séc. XVIII, o que tornou possível a emergência de uma teoria do organismo que era ignorada pelos primeiros naturalistas.


d) Qual a relação entre o método arqueológico, o discurso e o enunciado?  

O método estuda a prática do discurso, e essa prática está fundamentada no enunciado. Entendo o enunciado como algo diferente de “frase gramatical” (cujos elementos estão ligados por regras lingüísticas) ou de “proposição” (conjunto de símbolos regularmente construídos pelos lógicos). O que chamo de enunciado é um conjunto de signos (que pode ser uma frase ou uma proposição) considerado no nível de sua existência.

e) Você não gosta de ser colocado entre os estruturalistas. Mas o seu método tem pontos em comum com o estruturalismo (a recusa do discurso antropológico e a ausência do sujeito falante). Será que não pendeu para o lado do estruturalismo?
O estruturalismo, atualmente, sofre uma grande transformação. A ele não interessa mais apenas a análise das estruturas. Ele se interessa muito mais, atualmente, pelo questionamento do estatuto antropológico, do estatuto do sujeito, do privilégio do homem. Meu método se inscreve no quadro dessa transformação. Estou ao lado do estruturalismo e não dentro dele. 


Texto adaptado a partir de:
“Michel Foucault explica seu último livro” (entrevista com J.J. Brochier). Magazine littéraire, n. 26, abril-maio de 1969, p. 23-25. Traduzido em Ditos e Escritos II . Forense Universitária, 2000.
Disciplina Análise do Discurso. Profa. Maria do Rosario Gregolin, UFAC, 2008 Texto elaborado pela professora para a disciplina.





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