terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Livro | A Literatura Infantil para Maiores de Dezoito Anos - Sob a Ótica da Análise do Discurso Foucaultiana

PREFÁCIO

“Tenho-me impressionado sempre de ver quão pouco os adultos compreendem as crianças [...].”
(DOSTOIEVSKI, 1821-1881)


Não se julga um livro pela capa, sabe-se. E pelo título, julga-se?
Este livro trata da difícil tarefa de julgar -- pois que é julgar o comparar, o escolher -- e da mais difícil ainda tarefa de compreender crianças para fazer escolhas para elas e em nome delas.
Ainda bem, o(s) julgamento(s) em que se baseia esta obra tem/têm a ver com conteúdos, inclusive os que estão em uma (ou são a) capa -- título, imagens, “design”, textura... São livros para crianças; podem ser grossos ou finos, “normais” ou multidimensionais (3D, por exemplo), lineares ou (des)dobráveis.
Voltando ao começo... Os tempos atuais de intolerâncias, preconceitos e conceitos prévios, estes tempos “modernos” de leituras e literaturas rápidas, voláteis, recomendam que se esclareça logo que o título deste mais recente trabalho de Tereza Bom-Fim -- “A Literatura Infantil para Maiores de Dezoito Anos” – não sugere, não remete, nada tem a ver com qualquer aspecto da lascívia, lubricidade, impudicícia. Infâmia e infância, aqui, nem em pensamento se tocam ou se cruzam.
Por isso, a pergunta inicial: Julga-se um livro pelo título?
Bom, eu pelo menos julgo. Neste caso, como leitor privilegiado dos originais e prefaciador convidado das obras da autora, do seu mestrado ao pós-doutorado, julgo um “achado” o título deste livro. Não é fácil dar nome às coisas, dar título a obras. E Tereza Bom-Fim, mulher, educadora e autora sensível, criativa e produtiva, soube construir inteligentemente -- e adequadamente -- o nome do seu mais novo esforço acadêmico e editorial. O título atrai a atenção do leitor, carrega -- involuntariamente -- um tiquinho de ambiguidade e instigação e, sobretudo, o título tem tudo a ver com o conteúdo da obra.
Os referidos “maiores de dezoito anos” são 23 mulheres e homens, voluntários, professores, escritores, pesquisadores, estudiosos, todos especialistas em Literatura Infantil e Juvenil, para os quais editoras de obras desse gênero, delas mantenedoras da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), enviam anualmente quase um milhar de livros dessa faixa etária, para seleção, análise e, posteriormente, premiação em pelo menos 18 categorias (número que pode ser duplicado, já que, após vencer três vezes, um ganhador ainda pode ser selecionado para premiação “hors concours”, o que, vale dizer, estimula o surgimento e o reconhecimento de novos talentos nas diversas categorias).
O foco de Tereza Bom-Fim nesta obra, ela mesma conta, “é compreender de que forma a leitura e a criança são concebidas pelo grupo de votantes” (aquelas duas dúzias quase de especialistas mencionados acima).
A autora orienta esse foco, leva luz e, também, didática mas não professoralmente, conduz o leitor para alguns aspectos do assunto mais históricos e lineares, como quando discorre sobre a FNLIJ, e quando situa o leitor, por exemplo, na história social da criança.
Profissional consciente e experiente, crítica e exigente, a professora-doutora sabe quando é hora de elevar o “tom” acadêmico: assim, ela traz e faz, trata e retrata abordagens, análises, questionamentos, visita autores. Sua expectativa, diz ela, é “despertar em cada leitor a vontade de ler, escrever, instigar/investigar, contar histórias [...]” e, a partir daí, “inscrever a Literatura Infantil em um patamar mais elevado de análise e crítica”.
Essa “análise e crítica”, quer a autora, deve contribuir para que, na Literatura Infantil, o “punctum saliens”, aquilo a que se deve “dar mais visibilidade”, é o “espaço, a voz e o desenvolvimento da criança” e não necessariamente os “livros e seus autores”.
Ao mesmo tempo em que não nega “a qualidade da literatura produzida para crianças atualmente”, Tereza Bom-Fim alerta que “a literatura para criança continua carente de uma crítica madura, consistente, sem melindres, menos rasa [...]”. Como se percebe, a autora tem seu tanto lúdico e lúcido, crítico e cítrico -- leve acidez...
A Literatura Infantil, vê-se, é assunto de gente grande. Não deve ser fácil para os especialistas votarem, entre centenas de títulos, os poucos que serão objeto de conhecimentos e reconhecimentos maiores, as obras que, no jargão da FNLIJ, merecerão ser “altamente recomendáveis”. Esse processo, crítico, analítico, deve/ria levar em consideração -- como propõe ou reforça Tereza Bom-Fim –- “o pensamento e a visão infantis”.
Não é fácil... Só a criança sabe ser criança -- porque é isso que ela é. Criança é só o instante presente, o aqui e agora, o “hic et nunc”. Criança é um presente. É o presente.
Adultos, não mais podemos ser criança. Podemos pensar/agir como criança -- muitas das vezes uma atuação, um teatro, que vai do cômico ao patético.
É difícil ter, de verdade, “pensamentos” e “visões”, modos e medos, posturas e imposturas de criança. Não há como o adulto limpar-se da poluição de sua adultez e tornar à altivez pueril e pura. Como adultos, falhamos até mesmo em compreender outros adultos, inclusive aqueles bem próximos a nós, na nossa casa -- às vezes, na nossa cama...
Mas vida é isso: um vir a ser de seres a vir. Vida é obra em construção desfinda.
Assim, é nesse contínuo fluir de vida que também os especialistas em Literatura Infantil têm de pôr seus saberes, sentires e amares, a serviço de um ser que é pleno viço, força potencial e manifesta em crescimento -- a criança.
Na tríade autores, especialistas e criança, apenas esta é.
Pois, na biodiversidade humana, enquanto autores e especialistas são funções, a criança é ser.
Adultos são personagens.
Só a criança é plenitude.

Edmilson Sanches 
edmilsonsanches@uol.com.br


O livro está sendo vendido na LIVRARIA MACHADO DE ASSIS, que fica próximo à UNIARA em Araraquara.
Valor: R$ 30, reais.










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