Dos balanços e seus inumeráveis fios II : percursos de leituras do GEADA (2001 e 2002)
Nós que nos julgamos ligados a uma finitude que só a nós pertence e que nos abre, mediante o conhecer, a verdade do mundo, não deveríamos lembrar-nos de que estamos presos ao dorso de um tigre?
(Foucault. As Palavras e as Coisas)
por Maria do Rosario Gregolin
Se o meu texto do final de 2000 iniciava-se com um post-scriptum
– um gesto que me pareceu adequado para exibir a provisoriedade das leituras
derrubadas das prateleiras, mostradas em sua desordem – este texto que me
proponho redigir agora estará radicado na História, pois escrevo-o tomando a
distância de dois anos. Esse lugar onde penso necessário plantá-lo agrega-lhe
alguns sentidos que – queiramos ou não, eu e meus leitores – são incontornáveis
e incontroláveis. Primeiro: esse lugar da História não é, de maneira nenhuma,
um território delimitado espacial ou temporalmente, o que nos levará a campos
em que se digladiam verdades e ficções, disso decorrendo que não saberemos
exatamente se o que aqui é narrado corresponde – na sua pura forma concluída –
ao que efetivamente sucedeu[1].
Segundo, este enunciador, distanciado dos fatos que conta, não pode saber
exatamente quem são os seus leitores: alguns terão feito o percurso e
entenderão as pedras do meio do caminho; outros são convidados a percorrer
trilhas cujos mapas se rarefizeram ou se perderam ou nunca existiram. Enfim,
meus leitores só têm o direito de escolher lugares onde se perder...
Acrescenta-se,
ainda, a dificuldade de escrever um balanço quando nossa leitura mestra de dois
anos foi As Palavras e as Coisas (Foucault) entrecruzada a vários outros
textos e vozes. Será necessário um trabalho de destramar os fios. Movimentos de
desmanche. Se o escritor parte sempre – na sua aventura de redigir um texto –
da idéia de que deverá tecer um tecido que, depois de tecido, plana livre de
armação, pela segunda vez me vejo diante da necessidade de desfiar,
destecer, desmanchar fios para compor um texto. Poderia desfiar em rascunho e
então, passando a limpo, remontar as peças e mostrar o tecido limpo, concluído,
formatado. Mais uma vez vou preferir mostrar a armadura, a argamassa, o sistema
hidráulico, os fios que poderiam estar ocultados nas paredes. Estruturas
aparentes, esse meu texto está fincado no território da descontinuidade, da
transitoriedade, do rascunho. Isto é, no coração da História.
Leia o texto completo
[1] Senti um
certo eco de Riobaldo – ao menos sintaticamente – neste período. O que me
sugeriu que talvez pudesse acrescentar um “nonada” como síntese da história que
pretendo narrar, tendo em conta que ela se faz a posteriori e então, no momento
em que meus leitores se debruçarem sobre estas palavras, elas já estarão
fatigadas porque aquilo que dizem as transcendeu na vida.
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